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Mãos Cheias de Nada

Retalhos dos meus dias tristes...

Mãos Cheias de Nada

Retalhos dos meus dias tristes...

19.Mai.17

Solteirices

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Quantas vezes ouvimos a velha máxima “mais vale só que mal acompanhado”. Garantidamente eu própria fiz esta afirmação mais do que uma vez. Mas pergunto-me se não é simplesmente o caminho mais fácil. Contornamos a solidão, preenchemos espaços vazios e evitamos que alguém entre na nossa vida. Sei o que é estar só, sei o que é a solidão a dois. E sei o que é partilhar uma vida, uma casa, um tecto. E seguramente a partilha é a que dá mais trabalho, cansa, exige investimento. Desengane-se quem pensa que uma relação se mantém por si só.

A sociedade instituiu um percurso de vida, dito normal, o estudar, namorar, casar e procriar, e à medida que os anos passam, a própria sociedade cobra cada vez mais qualquer uma dessas etapas, incutindo em nós, mesmo com outro tipo de objectivos definidos, a urgência de uma relação. A idade avança e a possibilidade de casar fica mais longe, e a de ter filhos (principalmente no caso das mulheres) nem se fala.

E a questão começa a repetir-se com mais frequência do que deveria. Porque estou sozinha(o)? É opção? Não há ninguém que me preencha? Onde está o mal? E eu questiono-me se será mesmo uma opção. Custa-me a crer que aos quarenta, ou mesmo depois dos trinta, alguém sonhe com um futuro, mesmo que longínquo, com objectivos cumpridos e projectos definidos, e que não se imagine a partilhá-los com alguém. Somos seres sociais, e como tal necessitamos de uma rede de apoio onde existam laços emocionais, laços esses que quanto mais próximos, maior sensação de bem-estar, segurança e satisfação, proporcionam.

Claro que não existe receita que possa ser prescrita para se encontrar aquele alguém que poderá partilhar uma vida connosco, mas talvez o caminho mais fácil para tal seja perceber o porquê de estar sozinha(o). E pode ser um milhão de razões. Comecemos pelas relações anteriores. São muitas as pessoas que estão sozinhas porque saíram severamente lesadas de uma relação que terminou há um milhão de anos luz, mas mesmo assim, as feridas, os traumas, principalmente que o fim dessa relação deixou, fecharam portas. E quanto mais tempo essas portas permanecerem mais difícil será deixar entrar alguém que nos agrade e nos preencha. Tornamo-nos demasiado exigentes e até picuinhas, e em três tempos todos os defeitos do outro são intransponíveis, e transformam-se num chorrilho de queixumes e lamentações. Do outro lado temos os românticos, os dos contos de fadas, que se iludem com as borboletas e sonham com o par perfeito, criando uma imagem do relacionamento, idealizando e projectando no outro o que sonharam. Mas obviamente ninguém é perfeito, tão pouco as relações o são, e as expectativas, demasiado elevadas, rapidamente se tornam numa avalanche de desilusões. E quando são pessoas isoladas? Não que sejam necessariamente solitárias, muitas vezes não o são, até porque raramente estão sós. Rodeiam-se de amigos e família, não conseguindo equilibrar o tempo e o espaço para alguém entrar. Tudo e todos são prioridade antes de qualquer parceiro.

São muitas as pessoas que não estão preparadas emocionalmente para partilhar uma vida com alguém. O medo da entrega, do compromisso, de criar vínculos, apresenta-se quase que como uma barreira invisível a quem quer que se tente aproximar. Há quem diga que nos tornámos excessivamente intolerantes e que por isso as relações são efémeras. Mas não creio que haja necessidade de tolerância, até porque não me agrada a ideia de tolerar alguém. Tolerar é apenas calarmo-nos perante algo que não queremos ou não gostamos, quase que contrariados. Julgo que o mais importante é saber aceitar. Aceitar é assumir as diferenças, é dar voz ao respeito pelo outro e lugar à compreensão das suas atitudes. É perceber a singularidade de cada um, tornando-nos verdadeiros, reais. Aceitar torna-nos humanos. Muitas vezes é isto que nos falta.

Dar um pouco mais de nós, não ter receio da entrega, exige algum esforço da nossa parte, mas tornámo-nos demasiados racionais e gostar de alguém deixou de ser tão simples como seria suposto.

Lamentavelmente tendemos a rotular tudo e sempre que falamos em solteiros, pensamos inevitavelmente em farra, diversão, liberdade, sentimentos alegres, ou exactamente o oposto, tristeza, solidão, sensação de que falta algo, de se estar incompleto. E não tem que ser nenhuma das duas…Tal como não podemos nem devemos estereotipar as relações...A dinâmica da vida de solteiro é alterada obviamente com o assumir de um relacionamento. Uma relação envolve sempre diversos factores e altera consideravelmente a vida pessoal de cada um de nós, mas também não tem que ser vista como o fim do divertimento, da convivência com os amigos, com ou sem o parceiro por perto. E não é uma questão de género, a maioria dos estereótipos afecta tanto homens como mulheres, e embora os comportamentos possam ser diferentes, as expectativas, os medos, os receios, são os mesmos.  

Seja pelas derrotas neste jogo do desamor, ou pelas expectativas criadas, seja pelo príncipe encantado, ou pelo fel que nos alimentou a vida, a verdade é que a racionalização dos sentimentos cria barreiras e erguem-se muros. Criam-se demasiados atalhos para o bem-estar e aprendemos formas que nos protegem, distraem e mantêm-nos felizes dentro de uma redoma de vidro onde há espaço para tudo e para todos menos para correr o risco de amar. E mesmo sem medo de amar, vem o medo de não correr bem, de nos magoarmos novamente, de ter que recomeçar, e esse medo faz-nos recuar. A vida é cheia de incertezas e para lhes fazer frente desenhamos previsões de um futuro em que facilmente nos imaginamos a ter que apanhar todos os nossos cacos do chão e fitacolá-los novamente.

É preciso conviver e aprender a conhecer alguém, entender que é uma construção passo a passo, mas sem manual de instruções ou layout de implementação. 

É preciso permitir-nos gostar de alguém, saber dar-nos uma oportunidade. Às vezes estamos só a olhar para o lado errado. Precisamos olhar com outros olhos, ouvir menos a nossa voz e escutar mais o que nos rodeia.

 

É preciso deixar que alguém nos despenteie o coração...

 

(Aos meus solteiros (as) que me inspiraram a escrever)

14.Mai.17

Myself & I

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Sabia que um dia iria escrever-te esta carta, talvez demasiado pessoal e íntima, mas era certo e sabido que viria responder-te. Também eu queria deixar no papel o testemunho das minhas palavras, dos meus sentimentos, das minhas lutas. E das minhas vitórias. Confesso que nunca pensei que fosse em tão pouco tempo…E se tivesse que resumir os sentimentos que carrego no peito num único, seria orgulho. Orgulho na minha capacidade de discernimento, orgulho na força interior, orgulho na frontalidade. Orgulho numa mente quase brilhante e determinada. A verdade é que a capacidade de superação, de resiliência, de recomeço, é-me intrínseca…

Em tempos agradeci-te aqui por me teres levado o medo e nessa altura pensei que na próxima vez que me dirigisse a ti seria para me despedir, para te dizer adeus. E disse-te que partiria sem ti. Mas quando aprendemos a conhecermo-nos torna-se claro o que faz parte de nós, o que faz parte do nosso íntimo, e deixa de ser importante esconder, camuflar. Por isso não vou dizer-te adeus. Cresceste comigo, fizeste parte de mim tanto quanto me lembro. Hoje conheço-te como a palma da minha mão e olhar para ti recorda-me o quanto podemos ser autodestrutivos, o quanto as nossas experiências conduzem à submissão e a nossa autoestima no subjuga à vontade dos outros. Negligenciamos a nossa vontade e passamos a viver em função dos outros, a genuinidade dá lugar a uma prisão social que nada acrescenta. Intimamente recordas-me aquilo que não sou. Mas também me recordas que a qualquer momento é possível reconstruir, recriar, reinventar e redefinir sonhos e objectivos. Em qualquer momento é possível recomeçar.

Todos os dias são perfeitos para (re) começos.

E por tudo isso não vou dizer-te adeus. Hoje levo-te comigo, não na bagagem de mão, mas no baú das recordações, lá onde ficou o patinho feio também. Lembras-te dele? Aquele que teimava em aparecer nos espelhos lá de casa? E que me obrigava a esconder-me no casulo quando tu assim o entendias? Perdeste. Já não consegues acompanhar-me, mesmo quando em algum momento tentas puxar-me para trás. E já não és sombra, já não há dualidade. O que importa se não me “barrelo” de bases e pós e cores todos os dias? O que importa se o meu “ponytail” por vezes é a salvação depois de uma noite bem passada ou numa manhã agitada? Se há dias que passo de cara trancada? E se há dias que acordo virada do avesso? Se pelas mais diversas razões há dias assim, há sempre algo bonito para ver. E não tem que ser sempre a minha imagem no espelho, são as minhas palavras no papel, é todo o trabalho realizado, o lar construído, as pessoas à minha volta.

E o medo da perda? Medo? A perda é tanto minha como de quem me perde. Viver no medo leva à exaustão. O medo de ter medo, medo de perder, de falhar, medo de não ser o que esperam de mim. Vivias com tantas dúvidas, enchias-te de perguntas e questionavas as tuas capacidades, e o medo instalava-se. Inseguranças? Claro que as tenho, e algumas por vezes são válidas, mas não regem as minhas atitudes nem dominam o meu mundo. Claro que existem dias tristes, não vamos aqui entrar na loucura que somos todos lindos, maravilhosos e muito felizes a tempo inteiro e que a vida é um mar de rosas. Afinal de contas até mesmo aqueles que transbordam segurança, têm défices de autoestima muito superiores àquilo que imaginamos. A máscara que carregam é pesada e refugiam-se atrás de uma segurança extrema para esconder as fragilidades que têm, e também eles caiem. E não tenho que me sobrevalorizar, enaltecer em demasia aquilo que sou. Não me tornei narcisista, apenas cada vez mais transparente, mais simples, mais descomplicada. Basta ser genuína. É verdade, um dia tudo mudou. Achei que viveríamos nesta dualidade ad aeternum, tentando lavrar um terreno inóspito debaixo de intempéries constantes. Mas a vida pediu-me para avançar e voltou a mostrar-me que depois de cair, levantar é condição sine qua non. E ensinou-me que ser fiel aos meus princípios, guardiã dos meus valores, não tem que ser sofrido nem me impede de ter bom fundo. Existirão sempre pessoas menos boas que se aproveitarão desse lado, mas não importa. A minha intuição, de que tanto duvidaste, vai ajudar-me a não descarrilar. A pouco e pouco tudo ficou mais claro. Perdi necessidades. Esvaziei-me das mágoas, dos medos, das comparações. E as opiniões e os julgamentos ficaram por conta dos outros. Na vida, no amor, na amizade, há que aprender que não podemos exigir dos outros mais do que nos podem dar, e muito menos de nós próprios, e tu exigias demasiado de mim, vivíamos em constante cobrança.

E quanto aos pais? Aprendi que de alguma forma todos nós temos alguma toxicidade da nossa infância. Afinal ser pai não é uma ciência exacta, e também eles, tiveram pais que talvez não fossem o melhor exemplo do mundo, ou soubesse eu o que era ter avós. Nunca soube. Não que não tivessem existido, mas pela ausência de afectos e do papel de avós. Sei onde os progenitores erraram mas hoje sou eu a responsável por mim, e se em tempos me retiram a identidade, é minha função recuperá-la. É certo que o que nos é transmitido na infância e na adolescência pelos progenitores molda-nos, deixa mazelas, mas não tem necessariamente que conduzir-nos uma vida inteira. Não podemos viver na sombra de uma infância ou adolescência difícil, longe de ser a ideal, e muito menos quando temos consciência dos erros que foram cometidos. Foi fácil colocar-me em cima do muro e observar, distanciar-me deles e compreender o que traçou esse caminho. E foi fácil ver a outra face da moeda. Se conseguiram transmitir-me valores como o respeito, a humildade, a sinceridade, honestidade, não terão feito assim tão mau trabalho.

Confessa que pensavas que o blog era apenas um escape, uma necessidade momentânea? Um complemento da terapia? Uma forma de dizer o que não era capaz? Estavas errada. É parte de mim. Adoro cada palavra que escrevo, mesmo que possa não fazer sentido para alguns, ou alvo de críticas de outros. Tudo o que aqui deixo é verdadeiro, sentido, autêntico. Chego a arrepiar-me quando leio alguns textos! E não me canso de ler.

Falaste-me de escolhas, certo? E eu fiz a mais acertada, escolhi-me a mim. Escolhi as minhas verdades, mesmo que os outros as possam ver como mentiras. Tornar-me a minha prioridade foi a minha melhor decisão, tudo o resto chegaria por acréscimo. Resguardei-me do que me feria, tomei as rédeas e não mais silenciei as minhas emoções. Partilhei a dor e a mágoa, e nessa partilha encontrei serenidade, aquela que vem de dentro. E encontrei pessoas. Sabias que elas existem também nos maus momentos? Sabias que partilhar com elas os nossos sentimentos, as nossas feridas, alivia-nos o peso da dor? O medo perde importância e a tranquilidade ganha terreno. Não, não mudei. Simplesmente reeduquei-me, aceitei o que vibra em mim, com todas as falhas, com todos os erros, sem máscaras ou subterfúgios. Aceitei a minha perfeita imperfeição. E para ti sobrou espaço no sótão, porque sou uma romântica que gosta de guardar recados escritos em papel, fotografias impressas, postais de parabéns e rolhas de cortiça…

 

E tudo foi tão simples…A essência é tão absolutamente a mesma…ser apenas eu.